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domingo, 1 de novembro de 2009

Dias Eleitorais, por Gouvêa Lemos – Notícias da Beira – 15/06/1969


Vivemos dias intensamente eleitorais. Sentimos isso – nós, os jornalistas profissionais de Moçambique – no noticiário internacional que publicamos, nas conversas de café (o café é a nossa horta) e no pequeno mundo da classe profissional.
Estamos hoje chegados ao termo da eleição presidencial imposta à França, no referendo de Maio, pela derrota do general De Gaulle. A vitória do general De Gaulle está à vista, como se sabe, garantindo-se a continuidade do regime no nariz gaulista de Pompidou e no resto.
Aqui ao lado, faltam poucos dias para outro referendo, em que Ian Smith resolveu fazer um jogo perigoso. Quantos dirão sim e quem dirá não às bases sem realismo duma constituição racista e sem futuro? Falta a Smith a altura do grande Charles. Falta aos farmers da Frente Rodesiana, que empurram Smith para esta aventura, saberem política. E falta saber quem pagará a conta, já que nos últimos quatro anos não têm sido só os rodesianos a suportar os encargos da independência unilateral. Nós sabemos disso.
No âmbito interno, fala-se por aí de candidatos a deputados por Moçambique à Assembleia Nacional. Ainda não se sabe, ao certo, quem serão eles e, portanto, seria prematuro fazer quaisquer comentários a seu respeito. Referem-se, porém, alguns nomes de ex-futuros-candiidatos. Pessoas que estiveram indigitadas para figurar em listas de candidatura e que, depois, foram retiradas. Toda a gente que conheço concorda com a retirada. Os responsáveis devem considerar este facto um bom indício. Uma espécie de consulta pré-eleitoral com resultado positivo.
Também os redactores e repórteres da Imprensa diária andam em ânsias de voto para a eleição dos primeiros corpos gerentes da secção de Moçambique do Sindicato Nacional dos Jornalistas, a realizar esta manhã. Supreendentemente, no pântano fizeram-se ondas e, mais que a lista única, surgiram duas, apareceram três. A segunda anulou a primeira, é verdade, mas da simbíose resultante, apesar de eficientemente apoiada por astuta articulação e penetrante propaganda, parece que não vai nascer o triunfo, por uma dessas circunstâncias fortuitas, poderosas contingências de valor psicológico, tantas vezes decisivas das eleições, à margem e acima dos mais prestigiosos candidatos e promissores programas. O caso é que, havendo práticamente uma só lista, a certa altura reformulada, em que o lugar do presidente da Direcção apresentava como candidato Rui Cartaxana, chefe da Reportagem do «Notícias», de Lourenço Marques, parecia que este vencedor certo, com votos da capital, onde está, e da Beira, onde esteve durante anos e ganhou fama. Até certa data, os inquéritos a que ele próprio procedeu, com insistente actualização, davam-lhe uma tranquila margem. É certo que também se falava um pouco do João Manuel Ferreira Simões, delegado do «Notícias da Beira» em Lourenço Marques, que tem sido o delegado do Sindicato em Moçambique e que nessa trabalhosa e humilde tarefa se tem portado com brio e dedicação. Mas ninguèm supunha que o Ferreira Simões, voluntáriamente afastado da campanha e, para mais, ao serviço dum jornal da Beira, detivesse a carreira disparada do Rui Cartaxana. Eis senão quando, uns colegas atentos, de espírito muito analítico e temperamento laboratorial, julgaram descobrir e fizeram constar que uma crónica bem escrita, de agradável humor e lúcida ironia, sobre a idade aparente das senhoras de aparente idade, que o Rui Cartaxana subscrevia no «Notícias» de 25 de Maio p.p, já tinha sido públicada no «Diário Popular» de 13 do mesmo mês, com assinatura de Luíza Manoel de Vilhena. Amigos da onça, estes sujeitos, portaram-se como cabos eleitorais do Ferreira Simões. Não contentes com a descoberta, propalaram logo que o Cartaxana é useiro e vezeiro na prática de beber quase todo o conteúdo e comer a forma quase toda de artigos suculentos de bons especialistas, apresentando-se depois a opinar ex-cátedra sobre assuntos económicos e de outra natureza com admiráveis pontos de contacto entre o seu articulado e as teses de qualificados colaboradores da «Seara Nova», por exemplo.
Ora, se é por isto que ele perde a eleição, acho injusto. O jornalista é um agente de informação , um factor de cultura. E torna-se muito delicado e difícil distinguir entre o que ele transmite, por ter assimilado e o que reproduz, simplesmente, porque é um apóstolo da comunicação. O próprio Rui Cartaxana virá dar-nos uma explicação do fenômeno. A priori, devo dizer que não acredito em plágio. Nesta época de vida urgente em que a seleção e a condensação se apresentam como virtudes dos mais media, a compilação do que de mais importante se escreve na Imprensa não diária, beneficiando os leitores dos grandes quotidianos, constitui trabalho não menor da atividade jornalística. Bem grande nesse labor o dr. Videira Pires, que Deus haja. Por que bater no Cartaxana? Se o meu camarada Ferreira Simões for eleito, hoje, em consequencia deste grave equívoco, não poderá orgulhar-se da vitória.

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