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domingo, 18 de dezembro de 2011

A PROPÓSITO DUM COLÓQUIO: DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E PROMOÇÃO SOCIAL


Assisti, há dias, a um colóquio que se realizou na sede da Associação dos Naturais de Moçambique, sobre o tema de «promoção social das populações», do qual se ocupou, primeiro, o dr. Velez Grilo, em interessante dissertação, ficando, depois, à disposição das numerosas pessoas presentes, para o debate que se seguiu.
Sem pretender atribuir a ninguém as culpas do facto, quero aqui somente registar um engano grave e geral, que veio desde o princípio e se manteve a dominar o colóquio até ao fim, reflectindo, aliás, uma confusão estranhamente generalizada na opinião pública, possívelmente em resultado da acção mal definida de certos serviços.
Assim, aconteceu no colóquio que a maior parte das pessoas se ocupou num dilema incrível: desenvolvimento económico ou promoção social?! Qual mais importante? Qual mais urgente? Antes, já se falara de instrução, e, por isso, houve quem, solicitamente, explicasse que isto de promoção social é coisa que tem de ser feita com um bocadinho de tudo, algum desenvolvimento económico, algum ensino, enfim uma saladinha jeitosa, sem mão pesada nos temperos; tendo sido admitido que sim, senhor, assim era, acrescentando-se mesmo, com algum espírito científico (usando-se já uma técnica não de salada mas de cocktail) que assim era até certo ponto.
Mais adiante, no decurso do mesmo colóquio, perante as arremetidas teimosas dos campeões do desenvolvimento económico, preferindo-o até à promoção social, foi a tolerância ao ponto de se admitir, que, lá diz o ditado: «casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão»... Donde me pareceu querer-se insinuar que, de facto, é conveniente que as pessoas tenham algo de comer para se pensar em promovê-las socialmente. Será isto?!
Por outras palavras, entende-se que, se queremos ensinar pessoas a estar à mesa, convém que antes lhes justifiquemos o acto de se sentarem a ela.
Em resumo: salvo o devido respeito por todos os intervenientes, deu-me o referido colóquio a impressão de se estar fora ou não se querer mesmo entrar nas realidades que nos deviam ocupar não só por palavras, mas, principalmente, por obras, comportando-se ali toda a gente, afinal, como se não soubesse muito bem o que é essa coisa a que chamam promoção social. E para aumentar a confusão ainda veio decisivamente contribuir a informação de que no estudo do Plano de Fomento se sentiu a necessidade de constituir uma comissão de promoção social, dando a ideia de que superiormente se verificou que a promoção social também é necessária ao fomento da economia e não esta uma condição indispensável, a primeira e a mais importante de todas, para se alcançar aquela.
Claro que eu estou a falar de Moçambique, porque suponho que era de Moçambique que no colóquio se tratava. E, neste pressuposto, não concebo, não sou capaz de acompanhar o raciocínio, as especulações e o fraseado de quem quer que seja que pretenda propor, solicitar e estudar soluções para a promoção social dos moçambicanos sem partir da elevação do nível económico da sua vida. Pois o que será promoção social de quem precisa, antes de mais coisa nenhuma, de ser alimentado, de ser alojado convenientemente, de ter saúde e de ser instruído?! Não vejo nem ninguém vê como se possa educar um povo, elevá-lo socialmente, sem lhe dar o pão suficiente, a casa digna, o hospital onde se trate e a escola onde aprenda a ler. Tudo quanto se fizer, antes de isto, ou se pretenda fazer à margem disto, será lirismo, será o carro à frente dos bois, será insensatez. Pois que na consecução desses bens essenciais já se contém uma valiosíssima elevação social, porque económico-social será esse progresso, que, aliás, todos o sabemos, Santo Deus! não pode ser progresso económico sem resultar em elevação social, nem pode ser progresso social sem ter sido elevação económica.
Ora, no caso que nos interessa - os povos de Moçambique - a promoção social deles terá de ser e será, por certo, o verdadeiro objectivo, a única meta de toda a acção governamental, de todo o trabalho público, de toda a acção consciente dos cidadãos responsáveis. Promoção social não pode ser o âmbito do trabalho limitado duma pequena repartição encaixada numa comissão que estuda um plano de fomento; a promoção social das populações está acima e à frente desse fomento. Para a promoção social das populações se fazem estradas, se constroem hospitais, se erguem escolas, se criam universidades, se contratam professores, técnicos, cientistas; para a promoção social das populações, há impostos, há governos, há política. Temo verdadeiramente que os nossos colóquios não cheguem.
Não sei ao certo donde nasceu agora esta ideia de promoção social como ciência infusa, mas desconfio, já disse, que resultou de recentes serviços de acção confusa. Entretanto, o que penso é que seriam de enorme utilidade aqueles colóquios em que pudesse participar livremente a opinião pública de Moçambique - através dos seus órgãos legítimos, os jornais - tendo por temas todos os capítulos desse programa geral e completo que se pode chamar de promoção social das populações; certamente apareceriam vozes numerosas e de valia a debater os assuntos de economia, saúde, instrução e cultura, enfim, a falar de promoção social.
Para terminar darei um exemplo do que pretendo referir: naquele coloquiozinho, a certa altura, fomos informados de que, por cálculo do administrador Rita Ferreira seriam necessários ao Governo 750 mil contos por ano para prestar às populações rurais uma assistência proporcional aquela de que beneficiam as populações urbanas. Isto é, para se resolverem os problemas mais urgentes e mais gritantes do mato, seriam gastos 750 mil contos anualmente.
Esta revelação deu-me uma alegria enorme no primeiro impacto e fez-me ficar tristíssimo quando pensei melhor. A alegria nasceu-me de ter achado barato; eu pensava em muitos milhões de contos, coisa de americanos... Mas fiquei triste, logo que me lembrei que, afinal, nem isso se gasta, porque não se pode gastar quando se distribuem verbas segundo uma escala de valores e numa ordem de prioridades, etc e tal, continuei pensando por aí fora, mas nem vale a pena escrever, não é verdade?
Ora, esta! Setecentos e cinquenta mil contos... Só?!
Então não me falem de promoção social.

[A Voz de Moçambique, Lourenço Marques, ano IV, nº 78, 25 de Maio de 1963, p. 12]

terça-feira, 4 de outubro de 2011

AINDA AS LOTARIAS: MAIS UMA SUGESTÃO


O assunto «lotarias» continua em pauta e, pelo que se lê, teve o condão de interessar muita gente, que se manifesta com entusiasmo nas colunas dos jornais. Não quero ignorá-lo e já que sobre ele também tenho opinião, aqui a ofereço.
Ponho o problema assim: a lotaria é um jogo de azar; os jogos de azar são um vício; logo, a lotaria é um vício. Por isso, a solução mais corajosa e mais conveniente à sociedade que constituímos em Moçambique seria proibir as lotarias todas, terminantemente. Mas poderá alegar-se (e teremos que aceitar, como a tantas outras vergonhas e covardias colectivas, chamadas «males necessários») que a lotaria é útil, pois que da sua exploração basicamente desonesta, se colhem proventos destinados a sustentar obras de assistência social. Pode-se, assim, considerar a lotaria um mal necessário, consequentemente de falta de justiça social e, neste pé, admita-se, encarando-se o problema com o inválido espírito cordato, que solicita «do mal, o menos».
Agora, interessa averiguar o que mais convém, no caso de Moçambique: se a continuação da venda, aqui, da lotaria chamada nacional, com a supressão inevitável da lotaria dita provincial, se a proibição daquela venda e a ressureição da finada lotaria de cá. Não percamos tempo a cuidar das possibilidades de coexistência de ambas no nosso mercado, pois provaram os factos a sua impraticabilidade e até o Provedor da Santa Casa da Misericórdia, que esteve cá, afirmou que a lotaria provincial só se manteve bem enquanto não teve concorrência.
Neste ponto, vejamos o que pesa a favor e contra cada uma das lotarias:
A favor da «provincial»: - contribuiu valiosamente para a Assistência Pública de Moçambique e parece que só começou a contribuir menos, quando passou a vender-se mais, aqui, a lotaria da Metrópole;
- Os seus prémios são pagos obrigatoriamente cá, em moeda aqui emitida, e não implica grossas transferências de dinheiros para fora da província, nem por parte da Administração da própria lotaria, nem por intermédio das firmas que se dedicam à sua venda;
Contra ela: - só conta o facto, comum às outras, de constituir um vício, o da jogatina generalizada, ao alcance de todos.
Considera-se a favor da lotaria nacional o seguinte: - contribui substancialmente para manter a obra assistencial da Santa Casa da Misericórdia, na Metrópole e também ajuda valiosamente a Assistência de Moçambique;
Em contrapartida: - como é lógico e admissível canaliza para a Metrópole um nutrido caudal de dinheiros, afectando notavelmente a economia da província, que, em vez de ser sangrada, precisa de ser robustecida; numa época em que tanto se procura evitar importações, reduzindo-as ao mínimo e, às vezes, abaixo desse mínimo, não está certo que se importem toneladas de bilhetinhos coloridos, bem caros, fazendo-se um negócio em que matematicamente se perde, pela própria natureza do jogo;
- por outro lado, não menos importante - ou mais grave ainda - possibilita esssa lotaria o exercício ilegal de transferências, em rendosas negociatas, feitas por quem não tem no comércio de lotarias o simples interesse desse ramo.  - É grave o que digo? - Sim, é grave. Mas fala-se, por aí, muito, dum verdadeiro mercado negro de cambiais e daqui chamo para isso a atenção de quem tem o dever de averiguar o facto e punir os «contrabandistas de escudos», quer os que fizeram o jeito, castigando com todo o rigor, seja quem for que tenha participado nas operações. É difícil, bem sei; mas vale a pena, pois é altamente injusto, é criminoso que, enquanto gente pobre tem dificuldades, ou, pelo menos, tem de cumprir formalidades legais, ao transferir uns magros cobres para a família, simultâneamente a lotaria duma Casa que até se chama Santa, sirva de capa aos transfugas do capital e de veículo de evasão de verdadeiras fortunas.
Um inquérito a isto, feito por gente capaz e independente, é coisa que se impõe, com urgência.
Entretanto, para que à minha prosa não falte nenhuma característica de crítica construtiva - coisa mal definida que se exige muito aos jornalistas - aí vai a indispensável sugestão:
- Proíba-se a venda, em MOçambique, da Lotaria de Lisboa; restabeleça-se a Lotaria Provincial; e ponha-se esta a contribuir com uma percentagem para a Santa Casa da Misericórdia. Embora não faça muita falta, à Administração da lotaria nacional, este tributo - como se conclui do que disso o dr. Melo e Castro - com ele ficariam tranquilas as nossas consciências, pois não seria furtada, à obra assistencial da Santa Casa, a nossa ajuda. Assim, continuaríamos a colaborar com essa benemérita instituição, sobre a qual, conforme palavras do seu Provedor aqui proferidas, pesa «a maior parte da responsabilidade pela protecção social da cidade de Lisboa, onde vão desaguar infelicidades e carências de todos os territórios portugueses».
Ao fim e ao cabo, só se estragaria um negócio, que não justifica especiais contemplações, em face do interesse geral.

[A Voz de Moçambique, Lourenço Marques, ano 3, nº 46, 31 de Março de 1962, p. 1 e 11]